terça-feira, 28 de setembro de 2010

A proteína é uma macromolécula.

"...Svedberg desenvolveu uma técnica de nome comprido mas simples, como os princípios em que se baseia, a ultracentrifugação analítica. Além de ser capaz de dar informações importantes sobre a heterogeneidade de um sistema, esta técnica representou um desenvolvimento tecnológico muito grande, e por seu desenvolvimento, Svedberg foi agraciado com o Prêmio Nobel de Química de 1926..."

Vamos comprar salsichas! Gentilmente, o açougueiro nos pergunta: -O senhor deseja a marca ABC que tem as salsichas soltas, á granel, ou a marca XYZ, que tem as salsichas emendadas umas as outras? –Hum?!

Guardadas as devidas proporções, os cientistas interessados em compreender as proteínas se encontravam frente à um dilema parecido no início do século XX. Já se sabia que as proteínas tinham um peso molecular correspondente a centenas de aminoácidos (lembrete: o aminoácido é a unidade do polímero proteína). Porém Emil Fischer (personagem principal da coluna passada) havia conseguido sintetizar peptídeos de no máximo 18 aminoácidos e a comunidade científica começou a indagar se haveria um limite máximo para o tamanho de um peptídeo. Se houvesse um limite máximo, a proteína seria formada por vários peptídeos que se juntariam, uns sobre os outros, como as salsichas à granel, formando um colóide (palavra grega para cola). Caso contrário, a proteína seria uma macromolécula, com centenas de aminoácidos ligados uns aos outros em uma única cadeia.

O primeiro a propor que macromoléculas existiriam foi Hermann Staudinger (1881-1965), mas coube a Theodore Svedberg (1884-1971), que inicialmente apoiava a teoria dos colóides, demonstrar definitivamente que as proteínas eram macromoléculas. Para realizar seus experimentos, Svedberg desenvolveu uma técnica de nome comprido mas simples, como os princípios em que se baseia, a ultracentrifugação analítica. Além de ser capaz de dar informações importantes sobre a heterogeneidade de um sistema, esta técnica representou um desenvolvimento tecnológico muito grande, e por seu desenvolvimento, Svedberg foi agraciado com o Prêmio Nobel de Química de 1926. Seu prestígio se tornou tão grande que ele era chamado de ‘The’ (O) Svedberg e seus estudos auxiliaram Albert Einstein a explicar o fenômeno do movimento browniano e provar que moléculas independentes existem. O que mostra que estudos com proteínas sempre contribuíram para a descrição de importantes fundamentos da ciência.

(escrito originalmente em 05/2004)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Cientometria. É possível medir a produção científica objetivamente?

"...Em um mundo ideal a melhor maneira de avaliar um pesquisador seria ler todos os seus trabalhos..."

É possível medir ciência? Ou mais especificamente, é possível utilizar um método confiável para avaliar a produção científica de um pesquisador? Este assunto é de grande importancia pois muitas vezes se torna necessário comparar carreiras, trabalhos cientificos ou revistas que publicam estes trabalhos, e precisamos de uma medida para tal. Primeiramente, deve-se ter claro que não se deve tentar reduzir algo tão complexo como uma carreira científica a um número, ainda que isto facilite a avaliação, mas usar este método como mais uma ferramenta em uma avaliação que certamente deve levar em conta vários parâmetros. Estas medidas quantitativas são chamadas de cientometria e infelizmente a falta de conhecimento sobre este campo e seu mau uso gera muita antipatia entre os cientistas.

Uma das maneiras de se tentar medir o impacto de um trabalho científico (publicação) é pelo número de citações (número de publicações que fizeram referência). Esta avaliação tenta medir a influência do trabalho pois supõe-se que quanto mais importante seja a publicação mais esta será citada na sua área. É um método que dificulta a comparação pois as citações em uma determinada área de trabalho dependem também do número de pesquisadores atuando nesta área. Também é difícil separar citações positivas, que entendem que o trabalho avançou a área, das negativas, que mostram que o trabalho não chegou a uma conclusão adequada. Além disso, um trabalho mais antigo tende a ter mais citações que um trabalho novo. Avaliar o número total de publicações de um indivíduo também pode ter este mesmo problema de idade, uma vez que um pesquisador com mais tempo de atuação tende a ter um número maior de publicações.

Uma maneira de se analisar a carreira de um pesquisador é pelo chamado índice h que tenta refletir produtividade e impacto ao mesmo tempo. A melhor maneira de explicá-los é por exemplos: pesquisador A publicou 100 trabalhos dos quais apenas 10 foram citados pelos menos 10 vezes cada, pesquisador B publicou 50 trabalhos dos quais 12 foram citados pelo menos 12 vezes cada e pesquisador C publicou 20 trabalhos dos quais 18 foram citados pelo menos 18 vezes cada. Pesquisadores A, B e C possuem índice h igual a 10, 12 e 18, respectivamente. Este método elimina distorções acentuadas, como por exemplo o caso de pesquisadores que publicam muitos artigos que não são citados e pesquisadores que possuem apenas uma publicação mas que foi citada amplamente. O índice h sempre aumentará com a idade e pode tornar difícil a comparação.

O chamado Fator de Impacto refere-se a uma revista científica e reflete a média de citações dos artigos publicados neste veículo. Em geral uma baixa porcentagem das publicações da revista científica é responsável pelo valor final. Desta maneira, desaconselha-se que um pesquisador seja avaliado pelo fator de impacto das revistas em que publica pois a avaliação fica distorcida e o trabalho do pesquisador será avaliado em última análise mais pelos trabalhos vizinhos do que pelo trabalho do próprio pesquisador.

Em um mundo ideal a melhor maneira de avaliar um pesquisador seria ler todos os seus trabalhos. Mas isso é difícil pois a maioria dos avaliadores já estão sobrecarregados com diversas tarefas. Porém, algumas agências de fomento mundiais começaram a adotar uma postura diferente para a avaliação de um pesquisador. Nesta avaliação limita-se o tempo a ser avaliado, aos últimos 5-10 anos por exemplo, e permite que o pesquisador envie um número fixo (5 a 10) de suas melhores publicações pelas quais ele/ela será avaliado.

Este assunto continua...

(escrito originalmente em 08/2010)

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Dicroísmo circular

“Dicroísmo circular é uma técnica espectroscópica não-destrutiva de fácil manuseio que permite a análise da estrutura secundária de proteínas em solução. Esta técnica é amplamente utilizada para a avaliação dos aspectos conformacionais de preparações de proteínas e da estabilidade destes preparados frente a diferentes condições ambientais tais quais temperatura, força iônica, presença de solutos, ligantes, etc. Apesar de fornecer apenas uma imagem de baixa resolução de uma proteína em comparação com outras técnicas, uma série de vantagens tais quais rapidez da medida e não requerimento de amostras altamente concentradas faz do dicroísmo circular uma técnica de uso corriqueiro nos laboratórios envolvidos com análise de proteínas.” [Ramos, C. (2008).Dicroísmo circular para a análise da conformação de proteínas: uma visão prática. In: A arte da caracterização e separação de proteínas. RDS gráfica e editora Ltda, Fortaleza CE. ISBN 978-85-89573-37-5]


Acontecerá em Campinas, entre 9 e 11 de agosto de 2010, um workshop sobre dicroísmo circular. Mais informações: http://www.lnls.br/site/eventos.aspx

(escrito originalmente em 07/2010)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Como são as proteínas?

O melhor jeito de explicar uma macromolécula, ou coisas menores, é através de uma equação matemática, mas este não é o nosso propósito aqui. Logo, a melhor maneira de explicá-las é utilizar uma analogia, ou seja, relacionar o modo como as coisas são ou funcionam com outras que estamos mais familiarizados. Por exemplo, as proteínas lembram um colar de pérolas pois são formadas por pequenas unidades, conhecidas como aminoácidos, interconectadas à seguinte pelo que chamamos de ligação peptídica. Esta ligação foi identificada simultaneamente pelo químico Emil Fischer (1852-1919) e pelo fisiologista Franz Hofmeister (1850-1922) em 1902.

Como existem 20 tipos diferentes de aminoácidos, teríamos que imaginar um colar mais ‘fashion’, onde as unidades possuiriam cores e formas diferentes (pirâmides, cubos e esferas por exemplo). Perceba que existem proteínas diferentes porque estas podem ser compostas de sequências diferentes. Por exemplo, uma proteína seria formada por uma sequência pirâmide-vermelho/cubo-azul/esfera-verde/esfera-vermelha/etc/etc e outra por esfera-vermelha/esfera-vermelha/pirâmide-verde/esfera-azul/etc/etc, podendo ter também extensão diferente (algo entre 50 e 3000 aminoácidos). Demos um importante passo para entender como a informação de um organismo está codificada no seu genoma. De modo bem simples, a sequência de aminoácidos e o tamanho de uma proteína, dependem da sequência e do tamanho de um gene.

Para terminar, precisamos de uma outra analogia. As proteínas não são lineares, a cadeia de aminoácidos se dobra sobre si mesma de forma especial e única, como se fosse um novelo de lã, daí chamarmos este processo de enovelamento. E esta forma especial e única, a estrutura tri-dimensional, está intimamente ligada à sequência, que vimos acima, e à função da proteína.

(escrito originalmente em 01/2004)

sábado, 10 de julho de 2010

Um projeto grandioso.

"...Este modelo animal é tão importante que um consórcio mundial está envolvido na produção e análise de camundongos ‘nocaute’ de todos os 20.000 genes presentes neste organismo. É um projeto grandioso que está orçado em aproximadamente 900 milhões de dólares.."


Camundongos são excelentes quando se trata de modelos para a pesquisa básica no estudo da saúde humana. Os camundongos são usados como modelos para o estudo de doenças como câncer e diabetes, por exemplo, e o seu genoma, o conjunto de genes de um organismo, é muito semelhante ao nosso. Uma maneira muito elegante de se estudar o papel dos genes nos seres vivos é a produção de organismos onde este gene está ausente. Esta tecnologia é chamada de ‘nocaute do gene’ e o organismo produzido sem determinado gene é chamado de ‘nocaute’.

Os camundongos são animais corriqueiramente utilizados para este fim. Muito do que sabemos sobre determinados genes foi possível pelo estudo de camundongos ‘nocaute’. Não é fácil produzir um camundongo ‘nocaute’ mas atualmente existem diversas empresas no exterior que produzem camundongos ‘nocaute’ sob encomenda. Em breve esta facilidade deve estar disponível também aqui no Brasil, uma vez que o Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais, um laboratório aberto ao uso de pesquisadores brasileiros, está montando uma ‘fábrica’ de camundongos ‘nocautes’ no seu Laboratório de Biociências (http://www.lnls.br/site/interna.aspx?id_conteudo=146).

Este modelo animal é tão importante que um consórcio mundial está envolvido na produção e análise de camundongos ‘nocaute’ de todos os 20.000 genes presentes neste organismo. É um projeto grandioso que está orçado em aproximadamente 900 milhões de dólares (Nature 465 (2010): Mouse project to find each gene's role, pág. 410; e Mouse megascience, pág. 526) e que deve levar cinco anos apenas para completar o projeto piloto, o qual envolve 4.000 genes.

Certamente, haverá muitos benefícios advindos deste projeto para a nossa compreensão da biologia e da saúde humana. Contudo, ainda existe muito para ser aprendido. Basta lembrar que de certa forma sabemos mais sobre o câncer em camundongos do que em humanos e que nem tudo o que aprendemos poderá ser relacionado diretamente a estudo em humanos. E o apoio a este tipo de pesquisa não é unânime, muitos acham que o investimento deveria ser aplicado diretamente no estudo do genoma humano, ainda que, por motivos éticos, a possibilidade de intervenção em camundongos seja maior do que em humanos.

De modo geral, me parece esta a melhor maneira da ciência avançar, passo a passo e com muita discussão, mas sempre com a finalidade de aumentar a qualidade de vida do ser humano respeitando-se os parâmetros éticos.

(escrito originalmente em 07/2010)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A origem do termo proteína.

"...Berzelius era famoso também por utilizar palavras oriundas do grego em termos científicos...Berzelius responderia sugerindo o nome proteína, derivado da palavra grega proteios, para o composto nitrogenado isolado por Mulder, pois tal substância era a principal (estava na origem) da nutrição animal..."



Todo mundo já ouviu falar de proteínas. Desde quando você era pequeno e sua mãe te mandava comer mais, principalmente as não tão apreciadas verduras, pois ‘você precisa de proteína para crescer e ficar forte’ até quando você aceita a necessidade de ficar forte ou bem modelado e resolve tomar os suplementos de proteína nas academias. Sua mãe estava certa (mais uma vez…) pois as proteínas são importantes para todos os organismos e estão envolvidas em praticamente todas as atividades celulares, desde o transporte do oxigênio que respiramos até a interpretação da imagem que vemos, da digestão dos alimentos ingeridos até a contração dos músculos durante os exercícios na academia. Mas de onde vem o termo proteína e o que significa?

Como dizia um amigo meu na universidade: ‘Estes gregos deram nome a tudo!’. É verdade, o grego ajudou a originar várias outras línguas e é a preferida de nove entre dez cientistas para ser usada em termos científicos. E vem do grego o termo proteína:  em caracteres grego [para a grafia correta: pi, rô, ômega, tau, épsilon, iota, ônicron e Ksi] ou proteios que significa primeiro, na origem, que lidera (por exemplo, o prefixo proto forma as palavras protótipo e protozoário). Muito especial, hein? Mas as proteínas são mesmo especiais. Como percebeu o ainda jovem químico holandês Gerrit (ou Gerardus) Mulder (1802-1880) que por volta de 1830 começou a estudar compostos orgânicos provenientes de vários organismos. Um dos compostos que o fascinava eram as chamadas ‘albuminas’, compostos contendo nitrogênio, originados principalmente do trigo, do ovo e do soro sangüíneo. Mulder estava interessado no estudo dos elementos que formavam estas substâncias e qual não foi sua surpresa ao perceber que esses compostos possuíam composição muito similar, chegando a ser praticamente idênticos. Tais compostos eram formados por carbono, hidrogênio e oxigênio numa proporção parecida (também enxofre e fósforo mas em uma quantidade bem menor). O significado desses resultados era muito importante, pois se esperava que substâncias de origens tão diferentes teriam também composição diferente. Logo, formou-se uma teoria poderosa. A de que haveria na natureza um composto central de grande importância e que este composto estava presente em vários organismos. Mulder foi mais longe e sugeriu que estes compostos seriam sintetizados nas plantas e passado ao reino animal, primeiro para os herbívoros e destes para os carnívoros. Esperto este Mulder! Será que por isto deram o nome de Mulder ao investigador da série Arquivo X?

Outra figura tão, ou mais, julgam alguns, importante para a origem do termo proteína foi Jacob Berzelius (1779-1848), proeminente químico suíço, conhecido principalmente por sua contribuição na descoberta de vários elementos químicos e na definição de vários pesos atômicos. Berzelius era famoso também por utilizar palavras oriundas do grego em termos científicos. Foi ele quem sugeriu por exemplo, que os elementos químicos deveriam ter como símbolo a primeira letra do seu nome em grego. Berzelius e Mulder trocavam correspondências freqüentemente, foram quase uma centena. Naquela época esse era o melhor modo de se manter informado sobre o que os seus colegas cientistas faziam e de discutir seus resultados. Em geral as cartas eram escritas em francês. Nestas correspondências, Berzelius fez várias sugestões que contribuíram significativamente para as análises de Mulder. Quando este lhe escreveu em junho de 1838 relatando a identificação de uma substância central em vários organismos e que esta substância migrava do reino vegetal para o animal, Berzelius ficou bastante excitado. Tanto que, dentro de um mês, Berzelius responderia sugerindo o nome proteína, derivado da palavra grega proteios, para o composto nitrogenado isolado por Mulder, pois tal substância era a principal (estava na origem) da nutrição animal. (Ou seja, um suíço se correspondia com um holandês em francês e acabaram cunhando um nome derivado do grego. Já seriam os primeiros indícios da globalização?) Enfim, Berzelius também ajudou, com a sua fama, a divulgar o conceito de proteína na época. Porém, quase 50 anos se passaram até que a natureza da ligação química que formam as proteínas fosse então desvendada. Mas esta história fica para uma outra vez.

(escrito originalmente em 07/2003)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Organismo sintético, Craig Venter, genoma humano.

A pesquisa envolvendo a introdução de um genoma sintético, ou seja produzido quimicamente através de informações geradas em um computador, e assunto anterior deste blog, foi liderada pelo cientista Craig Venter. Craig Venter é um cientista polêmico que esteve envolvido com o seqüenciamento do genoma de organismos e teve papel central no primeiro seqüenciamento do genoma humano.

Por falar nisto, a liberação do primeiro rascunho do genoma humano fez 10 anos fazem duas semanas (Julho/2010). Há um livro muito bom sobre o assunto que também serve com uma boa biografia de Venter:

The Genome War: How Craig Venter Tried to Capture the Code of Life and Save the World. James Shreeve. Ballantine Books, 2005. ISBN 0345433742, 9780345433749. 403 páginas.

O livro traz também informações que em geral não vêm à público quando se trata de megaprojetos, como por exemplo intrigas, egos, questões sobre patentes, financiamento para ciência, papel da mídia, etc. Para quem gosta de ciência e histórias relacionadas é uma grande pedida.

(escrito originalmente em 07/2010)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Um organismo sintético?

Um organismo sintético? (escrito originalmente em 07/2010)

"Podemos levantar uma hipótese de que seria viável construir um genoma artificial o qual usasse códigos de quatro bases. Supõe-se que um organismo capaz de usar este ‘código expandido’ possa ser também capaz de catalisar reações químicas impossíveis para outro organismo."



Uma das mais tradicionais revistas de ciência, a americana Science publicou na sua edição de 02 de julho de 2010 um artigo com o título ‘Criação de uma célula bacteriana controlada por um genoma sintetizado quimicamente’ (Creation of a Bacterial Cell Controlled by a Chemically Synthesized Genome, D. G. Gibson et al. Science Volume 329, págs 52 - 56).
Esta publicação foi amplamente comentada na mídia como ‘a criação do primeiro organismo sintético’ e uma parte da imprensa acabou superestimando as implicações da pesquisa e as conseqüências éticas da mesma. Que se deixe claro, os resultados são sim muito importantes, é inegável. Mas são mais uma prova de conceito, ou seja uma demonstração técnica que apóia uma teoria consensualmente acita, do que uma descoberta inteiramente nova e revolucionária. O genoma implantado foi gerado quimicamente a partir de informações existentes no disco rígido de um computador mas este genoma prostético contém praticamente informação pré-existente pois se baseou no genoma de outra bactéria. Além disso, toda a informação contida no genoma foi acessada e codificada pela maquinaria celular de uma bactéria pré-existente, a qual teve o genoma removido. De qualquer forma, os resultados mostram que é possível alterar as informações do genoma prostético fazendo com que a célula sintética possa ser bem diferente das formas atualmente encontradas. Muito se espera que esta estes resultados possas avançar a área biotecnológica, como por exemplo nos campos de produção de energia e limpeza de vazamentos de petróleo, dois problemas bem atuais.
A criação de uma vida completamente nova pode vir da associação entre a tecnologia acima descrita com outras duas igualmente impressionantes. A informação contida no genoma tem que ser traduzida para produzir as proteínas, uma classe de biomoléculas extremamente importantes e que realizam a maioria das funções celulares atuando principalmente como catalisadores. As proteínas são formadas por 20 aminoácidos naturais (ou largamente encontrados na natureza) cujas posições na proteína são determinadas por sequências de três bases cada, que são consecutivas e estão localizadas no gene. Como existem quatro bases naturais no DNA, são possíveis 64 (4x4x4) arranjos (ou códigos) diferentes, mais do que suficiente para acomodar os 20 aminoácidos existentes. Alguns pesquisadores conseguiram interferir neste processo de modo a produzir um número muito maior de aminoácidos do que os 20 existentes na natureza e de modificar os ribossomos (os ‘leitores’ dos códigos dos genes) de modo que passassem a ‘entender’ um código com quatro bases consecutivas que possibilitam 256 (4x4x4x4) arranjos diferentes. Para saber mais sobre estes trabalhos leia:
1) Liu & Schultz ‘Adding new chemistries to the genetic code.’ Annu Rev Biochem. 2010;79:413-44.
2) Neumann et al. ‘Encoding multiple unnatural amino acids via evolution of a quadruplet-decoding ribosome’ Nature 464, 441-444 (18 March 2010)
Podemos levantar uma hipótese de que seria viável construir um genoma artificial o qual usasse códigos de quatro bases. Este genoma prostético seria implantado em uma célula contendo ribossomos capazes de ‘ler’ este código e de produzir proteínas constituídas por um vasto número de aminoácidos diferentes. Supõe-se que um organismo capaz de usar este ‘código expandido’ possa ser também capaz de catalisar reações químicas impossíveis para outro organismo. Contudo, muito ainda temos que aprender antes de se chegar neste estágio. Compreendemos muito pouco da estrutura das proteínas constituídas ‘apenas’ de aminoácidos naturais, quanto mais destas ‘proteínas de ficção’ produzidas a partir de um código expandido.
Certamente, as questões éticas devem ser levadas em conta em qualquer tipo de pesquisa e este assunto fica para outro post.